HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ - Parte 27




O Cristianismo Se Organiza (continuação)

Foi o bispo Cornélio de Roma o primeiro a se autoproclamar papa, em meados do século III. Cornélio supervisionava 155 clérigos, alguns eram presbíteros e serviam como ministros e sacerdotes das congregações e como servidores do bispo na administração. Os diáconos também eram clérigos ordenados, os quais trabalhavam como supervisores das obras de caridade e ainda realizavam tarefas administrativas. Alguns clérigos eram administradores que trabalhavam para o bispo cuidando da correspondência, transmitindo mensagens para outros bispos e mantendo a organização da diocese.

À medida que a igreja se tornou mais clerical, o papel dos leigos começou a diminuir. No início do século III, era comum que leigos oficiassem os batismos e dirigissem os cultos. Muitas congregações cristãs permitiam alguma participação espontânea dos leigos. Os leigos que sofreram por amor a Cristo durante a perseguição eram no geral considerados capacitados a declarar perdoados os pecados, após a penitência apropriada. Tudo isso mudou no processo rumo ao clericalismo.

A liturgia tornava-se cada vez mais formal e o sistema penitencial mais específico, e a administração de ambos tornou-se exclusiva dos clérigos. No início do século III, os leigos da igreja em Cartago ainda podiam esperar ter alguma participação direta no culto, “profetizar” ou cantar suas próprias composições. Podiam também batizar, e essa parece ter sido uma tradição também em Roma. Já em meados do século III a situação mudou, pois Cipriano já não fala de leigos realizando batismos em nenhuma das muitas referências ao assunto. A celebração dos sacramentos passou a ser prerrogativa exclusiva dos sacerdotes ordenados.

No nível mais alto do clericalismo estava o bispo: o “supersacerdote”, principal administrador e juiz de todos os cristãos de sua sé. Normalmente, um bispo não interferia nos assuntos dos demais. No início do terceiro século o cristianismo era uma colcha de retalhos de dioceses, sem nenhuma organização. Embora o bispo de Roma alegasse certa supremacia sobre os demais, nenhum outro ainda reconhecia a legitimidade dessa reivindicação.

Cipriano argumentava que a unidade da igreja estava na comunhão dos bispos. Mas o que se deveria fazer se um bispo cometesse um pecado vil ou heresia, ou traísse a Cristo e a sua igreja durante a perseguição? Então, surgiu a necessidade dos sínodos para tomadas de decisões importantes em questões que afetassem mais do que uma sé e que examinassem as credenciais de bispos.

Foi em Antioquia que um sínodo excomungou pela primeira vez um bispo, em 268. Pode ter ocorrido na basílica recém-construída em uma importante cidade romana. Um grupo de bispos reuniu-se ali, a fim de examinar e condenar os ensinos do bispo Paulo de Samosata. Parece que ensinava uma versão da doutrina de Cristo que veio a ser chamada “adocionismo”; defendia a divindade de Jesus a partir de seu batismo no Rio Jordão. Acreditava que a doutrina da Trindade, ainda em desenvolvimento, inclusive a eterna divindade do Filho, ameaçava o monoteísmo. Por isso, dizia que Jesus Cristo era um homem adotado por Deus como seu filho humano especial.

Os sínodos não tinham “poderes” oficiais para fazer valer suas decisões. Os cristãos não passavam de uma minoria perseguida, apesar de prosperarem, construírem basílicas e até mesmo planejarem uma grande catedral perto do palácio imperial. Só tinham a autoridade que lhes era outorgada pelos cristãos. Ocasionalmente, um bispo ou um sínodo apelava às autoridades romanas para que ajudassem a impor suas decisões. As autoridades romanas preferiam, na maioria das vezes, ficar fora das disputas, a menos que a paz cívica estivesse em jogo. Apesar disso, os sínodos tinham sucesso em persuadir os cristãos.

No fim do século III, a clericalização do cristianismo estava quase completa. A igreja, para todos os efeitos, era idêntica à comunhão dos bispos na sucessão apostólica. Embora vários grupos cismáticos, como os montanistas, gnósticos e outros, ainda existissem, a Grande Igreja emergia de forma cada vez mais evidente. Tudo o que faltava para consolidar sua unidade e seu poder hierárquico e livrá-la para sempre de hereges e cismas perturbadores era um único bispo supremo com autoridade absoluta sobre os demais e um imperador cristão que apoiaria com o peso da “espada”, o que aconteceu nos séculos IV e V. Tanto que, em 455, no Concílio de Calcedônia, o imperador e o papa tornaram-se influências cruciais na decisão da verdadeira doutrina e o verdadeiro governo da igreja.

Não devemos condenar a iniciativa de organização da igreja visível de Cristo, mesmo a hierarquia não é condenável. O que não deveria acontecer, entre tantas coisas, seria o abuso de autoridade para realização de atos que não convém citar no momento. Outro tema para meditação é que o Novo Testamento não atribui exclusividade à pessoa alguma ou a grupo de pessoas. Para Deus não há leigos, todos os que creem em Seu Filho são feitos sacerdotes, ligados ao Sumo Sacerdote, que é Jesus Cristo. “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1Pe 2:5).

Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro

2 comentários:

  1. Mais uma vez agradeço pela oportunidade de aprender.Você é o exemplo do que Deus pode fazer na vida de um homem quando este homem é tranformado por Deus.
    Gilmar Madalozzo

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    1. É sempre um prazer poder contar com os ilustres visitantes.
      Um abraço.

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