A heresia de Apolinário: “Deus em um corpo”
Um exemplo excelente da antiga cristologia alexandrina da Palavra-carne é o de Apolinário de Laodicéia, o infeliz bispo e teólogo cristão amplamente criticado e condenado por Gregório Nazianzeno e pelo Concílio de Constantinopla. Seu único erro, segundo os alexandrinos ortodoxos e até mesmo o próprio Gregório, foi negar a alma racional humana de Jesus Cristo e substituí-la pelo Logos.
Apolinário, contra a opinião antioquena, como a que era sustentada por
Diodoro de Tarso, “buscava garantir uma encarnação verdadeira, contrariando a
ideia de uma mera conexão entre o Logos e o homem Jesus”. O problema, no
entanto, foi que “garantiu essa união orgânica entre o humano e o divino
somente pela mutilação da parte humana”.
A razão pela qual Apolinário “mutilou” a parte humana em Jesus Cristo era
soteriológica. Para ele, assim como para a maioria dos alexandrinos, a salvação
como deificação é possível somente se Cristo for totalmente controlado pela
vontade e pelo poder divinos. Se ele tivesse uma alma racional (mente ou espírito),
poderia ter pecado e
resistido ao chamado do Logos em sua vida, e isso implicaria que a encarnação
não teria acontecido.
Além disso, se sua alma fosse racional haveria dois centros de
consciência, de ação e de vontade em Jesus Cristo, isto é, um divino e outro
humano, e essa seria uma união falsa ou incompleta da divindade e da
humanidade. Somente uma verdadeira união natural – duas naturezas reunidas em
uma só pessoa formando uma única natureza – pode equivaler a uma encarnação na
qual o divino permeia e cura o humano.
A cristologia de Apolinário foi condenada no Concílio de Constantinopla,
não porque incluía a ideia de “uma só natureza do Deus-homem depois da união”-
uma ideia alexandrina comum – mas porque negava a humanidade integral e
completa do Salvador. Gregório Nazianzeno simpatizava com a abordagem
alexandrina, mas não podia permitir que fosse levada ao extremo ao qual
Apolinário a levou. Portanto, na famosa passagem contra Apolinário, Gregório
escreveu:
Quem acredita que Ele [Jesus] é um homem sem
uma mente humana, realmente não tem uma mente e é totalmente indigno da
salvação. Pois tudo aquilo que Ele não assumiu, não curou; mas o que se unir à
Sua divindade também será salvo. Se somente a metade de Adão pecou, então o que
Cristo assume e salva também pode ser a metade; mas se toda a sua natureza
pecou, precisa se unir à natureza integral do que foi criado e, assim, ser
salva na sua integridade.
O Concílio de Constantinopla condenou como herética a cristologia de
Apolinário, sem solucionar o problema que ela levantou. Depois desse concílio,
foi necessário que os cristãos concordassem com o conceito antioqueno de que Jesus
Cristo tinha uma natureza humana integral – corpo, alma e espírito – e até mesmo
uma mente humana. Os antioquenos consideraram a decisão uma grande vitória e os
alexandrinos, uma derrota. Mantiveram-se atentos a Constantinopla, observando e
esperando que os teólogos antioquenos repetissem a heresia de Paulo de Samosata
para surpreendê-lo.
“Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante
de Deus. E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e
pôr-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do
Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; e reinará
eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim. E disse Maria ao anjo:
Como se fará isto, visto que não conheço homem algum? E, respondendo o anjo,
disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te
cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será
chamado Filho de Deus.” (Lc 1:30-35).
Que o Senhor nos
abençoe e nos guarde.
Monteiro