HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ - Parte 19



Clemente de Alexandria e a Filosofia Grega

Os pormenores da vida de Clemente são cercados de mistérios. Tudo o que se sabe é que se tornou chefe da escola cristã de catequese de Alexandria quando seu fundador, Panteno, foi obrigado a fugir para não ser martirizado, e depois morreu. Não existe nada de concreto sobre a vida, educação ou contribuição de Clemente, afora os poucos manuscritos que sobreviveram até hoje. Mas é válido dizer que foi fortemente influenciado por Justino Mártir.

Seus escritos evidenciam a espiritualidade e a vida intelectual do crente. Influenciado pelo platonismo médio, que formava a filosofia genérica da maioria dos alexandrinos cultos, contribuiu para o surgimento de um novo tipo de filosofia platônica: o neoplatonismo.

Cinco livros de Clemente existem ainda hoje: “Exortações aos Pagãos”, “O Instrutor”, “Stromata”, “Quem é o Rico que Será Salvo” e “Seleção de Teodócio”. É provável que essas obras tenham sido escritas quando era diretor da escola cristã em Alexandria. Visavam a instrução de homens (e de algumas mulheres) jovens que pretendiam se tornar líderes cristãos.

Exortações aos Pagãos é uma polêmica contra o paganismo, especialmente contra as crenças e cultos que considerava supersticiosos e idólatras. Apresenta um quadro positivo da filosofia grega, especialmente em relação ao que era consistente com a verdade cristã. Sugere que, se existe qualquer verdade na filosofia grega é porque os gregos emprestaram-na de outras culturas e religiões como as do Egito, Babilônia e Israel. Tudo que os gregos, como Sócrates e Platão, falaram tiraram de fontes divinamente inspiradas como Moisés ou receberam diretamente pela inspiração de Deus e de Seu Verbo (Logos).

O Instrutor (“paidagogos”) trata do divino Verbo de Deus, o Logos. Nesse pequeno livro, faz considerações sobre Jesus como o Verbo cósmico e a Sabedoria de Deus. Ensina a vencer as paixões desnaturais e ter uma vida puramente espiritual de obediência, de contemplação e de ação racional. Ressalta que a vida cristã de obediência é uma vida consistente com a razão: “pois a vida dos cristãos, na qual agora somos treinados, é um sistema de ações coerentes – ou seja, das coisas ensinadas pela Palavra -, uma energia inesgotável que chamamos fé”.

Stromata (“Miscelâneas”) é uma tentativa de criar uma filosofia cristã abrangente. Há uma filosofia eclética e pouco sistemática com mistura de muitas fontes. Clemente expressa bem a abordagem: “nosso livro não hesitará em tirar proveito do que há de melhor na filosofia e em outras instruções preparatórias”.

Clemente de Alexandria valorizava a interpretação da fé cristã com a melhor cultura dos seus dias. Seu lema era: “Toda a verdade é a verdade de Deus, venha de onde vier”. Procurou reunir raios de “verdade divina” que se encontravam espalhados em diversos sistemas filosóficos e religiosos.

Tratou especificamente da questão da atitude negativa do apóstolo para com a filosofia; argumentou que Paulo tinha em mente apenas alguns sistemas específicos de pensamento, como o epicurismo e parte do estoicismo, mas não a filosofia em geral.

Acreditava que a filosofia de Sócrates, a de Platão e seus herdeiros eram de certa forma obra da Providência Divina. Considerava-as como o modo de Deus preparar os gregos para Cristo, assim como a Lei de Moisés era o modo de Deus preparar o povo hebreu para a vinda do Messias. Frequentemente, fazia referências a “Platão, o amigo de verdade” em seus escritos e chamava-o imitador de Moisés.

Clemente via que o platonismo era conducente ao entendimento e à transmissão da verdade cristã, por rejeitar o panteão imoral e caprichoso dos deuses gregos e romanos e focalizava uma única realidade espiritual ulterior, da qual derivavam a existência e a virtude de todas as coisas.

Clemente rejeitava a ideia da criação elaborada pelo platonismo como um processo impessoal e eterno de origem divina. Insistia na doutrina de uma criação temporal “a partir do nada” pelo Deus das Escrituras. Todavia, comparado aos deuses da mitologia grega, que eram arbitrários e destituídos de ética e moralidade, e às superstições das religiões de mistério, o platonismo parecia um aliado viável para o cristianismo do mundo pagão. Além disso, o platonismo tinha um conceito da vida além da morte e de uma dimensão espiritual para tudo e desviava a atenção das pessoas dos prazeres físicos e corporais para as realidades espirituais e superiores.

Acreditava que a filosofia ajudaria na luta do cristianismo contra as heresias. As heresias surgem do entendimento equivocado, e a filosofia procura ser lógica e emprega a dialética para testar as alegações da verdade e das crenças. Se a revelação de Deus for inteligível, então o emprego da lógica e da dialética para estudar as suas interpretações certamente produzirá um conjunto de crenças e morais mais saudável do que a ignorância. A eficácia da dialética serve para transmitir a verdade, e a lógica para impedir que acreditemos nos falsos ensinos.

E, estando Paulo no meio do Areópago, disse: homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto supersticiosos; porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas (At 17:22-25).

Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro

Um comentário:

  1. Olá Osvaldino

    Gostei do seu blog, que Deus abençoe sua vida ricamente. Um forte abraço.

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