Clemente de Alexandria e a Filosofia Grega
Os pormenores da vida de Clemente são cercados de mistérios.
Tudo o que se sabe é que se tornou chefe da escola cristã de catequese de
Alexandria quando seu fundador, Panteno, foi obrigado a fugir para não ser
martirizado, e depois morreu. Não existe nada de concreto sobre a vida,
educação ou contribuição de Clemente, afora os poucos manuscritos que
sobreviveram até hoje. Mas é válido dizer que foi fortemente influenciado por
Justino Mártir.
Seus escritos evidenciam a espiritualidade e a vida
intelectual do crente. Influenciado pelo platonismo médio, que formava a
filosofia genérica da maioria dos alexandrinos cultos, contribuiu para o
surgimento de um novo tipo de filosofia platônica: o neoplatonismo.
Cinco livros de Clemente existem ainda hoje: “Exortações aos
Pagãos”, “O Instrutor”, “Stromata”, “Quem é o Rico que Será Salvo” e “Seleção
de Teodócio”. É provável que essas obras tenham sido escritas quando era
diretor da escola cristã em Alexandria. Visavam a instrução de homens (e de
algumas mulheres) jovens que pretendiam se tornar líderes cristãos.
Exortações aos Pagãos é uma polêmica contra o paganismo, especialmente contra as
crenças e cultos que considerava supersticiosos e idólatras. Apresenta um
quadro positivo da filosofia grega, especialmente em relação ao que era
consistente com a verdade cristã. Sugere que, se existe qualquer verdade na
filosofia grega é porque os gregos emprestaram-na de outras culturas e
religiões como as do Egito, Babilônia e Israel. Tudo que os gregos, como
Sócrates e Platão, falaram tiraram de fontes divinamente inspiradas como Moisés
ou receberam diretamente pela inspiração de Deus e de Seu Verbo (Logos).
O Instrutor (“paidagogos”) trata do divino Verbo de Deus, o Logos. Nesse
pequeno livro, faz considerações sobre Jesus como o Verbo cósmico e a Sabedoria
de Deus. Ensina a vencer as paixões desnaturais e ter uma vida puramente
espiritual de obediência, de contemplação e de ação racional. Ressalta que a
vida cristã de obediência é uma vida consistente com a razão: “pois a vida dos
cristãos, na qual agora somos treinados, é um sistema de ações coerentes – ou
seja, das coisas ensinadas pela Palavra -, uma energia inesgotável que chamamos
fé”.
Stromata (“Miscelâneas”) é uma tentativa de criar uma filosofia cristã
abrangente. Há uma filosofia eclética e pouco sistemática com mistura de muitas
fontes. Clemente expressa bem a abordagem: “nosso livro não hesitará em tirar
proveito do que há de melhor na filosofia e em outras instruções
preparatórias”.
Clemente de Alexandria valorizava a interpretação da fé
cristã com a melhor cultura dos seus dias. Seu lema era: “Toda a verdade é a
verdade de Deus, venha de onde vier”. Procurou reunir raios de “verdade divina”
que se encontravam espalhados em diversos sistemas filosóficos e religiosos.
Tratou especificamente da questão da atitude negativa do
apóstolo para com a filosofia; argumentou que Paulo tinha em mente apenas
alguns sistemas específicos de pensamento, como o epicurismo e parte do
estoicismo, mas não a filosofia em geral.
Acreditava que a filosofia de Sócrates, a de Platão e seus
herdeiros eram de certa forma obra da Providência Divina. Considerava-as como o
modo de Deus preparar os gregos para Cristo, assim como a Lei de Moisés era o
modo de Deus preparar o povo hebreu para a vinda do Messias. Frequentemente,
fazia referências a “Platão, o amigo de verdade” em seus escritos e chamava-o
imitador de Moisés.
Clemente via que o platonismo era conducente ao entendimento
e à transmissão da verdade cristã, por rejeitar o panteão imoral e caprichoso
dos deuses gregos e romanos e focalizava uma única realidade espiritual
ulterior, da qual derivavam a existência e a virtude de todas as coisas.
Clemente rejeitava a ideia da criação elaborada pelo platonismo
como um processo impessoal e eterno de origem divina. Insistia na doutrina de
uma criação temporal “a partir do nada” pelo Deus das Escrituras. Todavia,
comparado aos deuses da mitologia grega, que eram arbitrários e destituídos de
ética e moralidade, e às superstições das religiões de mistério, o platonismo
parecia um aliado viável para o cristianismo do mundo pagão. Além disso, o
platonismo tinha um conceito da vida além da morte e de uma dimensão espiritual
para tudo e desviava a atenção das pessoas dos prazeres físicos e corporais
para as realidades espirituais e superiores.
Acreditava que a filosofia ajudaria na luta do cristianismo
contra as heresias. As heresias surgem do entendimento equivocado, e a
filosofia procura ser lógica e emprega a dialética para testar as alegações da
verdade e das crenças. Se a revelação de Deus for inteligível, então o emprego
da lógica e da dialética para estudar as suas interpretações certamente
produzirá um conjunto de crenças e morais mais saudável do que a ignorância. A
eficácia da dialética serve para transmitir a verdade, e a lógica para impedir
que acreditemos nos falsos ensinos.
E, estando Paulo no meio do Areópago, disse: homens
atenienses, em tudo vos vejo um tanto supersticiosos; porque, passando eu e
vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO
DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu
vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e
da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é
servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele
mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas (At 17:22-25).
Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro
Olá Osvaldino
ResponderExcluirGostei do seu blog, que Deus abençoe sua vida ricamente. Um forte abraço.