O “Gnosticismo Verdadeiro”
Por “verdadeiro gnóstico”, Clemente referia-se a uma pessoa
de sabedoria que vive da mente e repudia a vida mais mundana de busca dos
desejos e prazeres da carne. Essa pessoa seria uma espécie de Sócrates ou
Platão, que resiste à tendência geral de “ir com a maré” da turba confusa que
se deleita nas bebedeiras e na busca de ganho material. Ela quer dominar todos
os tipos de sabedoria, ficar acima das paixões carnais e se tornar semelhante a
Deus em virtude e sabedoria.
Clemente chegou a ponto de declarar que o verdadeiro gnóstico
cristão pode “se tornar deus” nesta vida, despindo-se do “desejo” e tornando-se
“impassível, livre da ira”. Mas deixou claro que não queria dizer que o
verdadeiro gnóstico realmente se torna perfeito como Deus. Dizia que essa
pessoa se reveste da imagem de Deus e se torna realmente boa, mas dependente de
Deus. Ele tinha em mente a ideia da divinização: o alvo da salvação é
compartilhar da natureza divina refletindo à imagem de Deus e alcançando a
imortalidade.
Para Clemente, qualquer realização da perfeição era obra de
Deus, levada a efeito pela pessoa humana que se entrega a Deus ao repudiar a
vida mais mundana da carne e buscar a vida mais elevada da mente pela
contemplação e pelo estudo. Clemente enxergava Jesus Cristo não apenas como um
homem que emanava coisas boas e que teve a morte de um mártir como Sócrates,
mas como a encarnação da sabedoria divina e, de certo modo, o próprio Deus.
Jesus Cristo era o Logos divino, o Espírito cósmico da
Sabedoria e da verdade que emanou do Pai e assumiu a forma humana de Jesus
Cristo. Ele era o complemento de todas as verdades parciais anteriores que
apontavam para Ele e ensinava seu povo por diversos meios.
A influência da filosofia grega sabre o pensamento de
Clemente manifestou-se de várias maneiras. Ele tratava o corpo e a matéria como
uma “natureza inferior” e os contrastava nitidamente com a natureza “superior e
melhor” da alma, que descrevia como a parte racional do indivíduo. Nesse ponto
ele difere do gnosticismo, pois nega expressamente que a matéria ou o corpo são
iníquos. São apenas inferiores ao espírito e à alma. Essa ideia da humanidade e
da criação é, naturalmente, mais platônica do que bíblica. Embora possamos
encontrar reflexos de semelhante dualismo nos ensinos bíblicos, a Bíblia não
ensina que a alma ou espírito é a parte racional da pessoa ou que o corpo é a
“natureza inferior”.
Repetidas vezes, Clemente reitera a opinião de que Deus não
tem paixões e que é assim que o verdadeiro gnóstico deve ser. Imitar a Deus,
pela “Instrução do Verbo” (Jesus Cristo) significa esforçar-se para atingir um
estado perfeitamente livre das paixões por meio do autocontrole. As paixões e os desejos são limitantes por
natureza e Deus é livre por natureza de todas as limitações das criaturas.
O Deus de Clemente era semelhante ao deus da filosofia grega,
uma unidade simples sem partes nem paixões, que não pode nem mesmo ser descrita
a não ser por comparação e que só se relaciona com o mundo da natureza e da
história por intermédio de um ser intermediário chamado Logos.
Clemente considerava as referências bíblicas concernentes à ira e vingança divinas como meras figuras de linguagem ou formas como os seres
humanos percebem Deus. Clemente não respondeu expressamente ao comportamento de
Jesus em relação aos cambistas que faziam mercado da “casa de meu Pai”. Mas podemos
deduzir que diria que essas experiências e sentimentos faziam parte da humanidade
do Filho de Deus e que não eram próprios de Sua divindade.
Toda narrativa bíblica que descreve Deus ou Jesus Cristo de
modo impróprio ao ser divino, Clemente interpretava como uma alegoria ou
linguagem antropomórfica ou relegava-a ao lado humano do Filho de Deus na Sua
encarnação de Jesus Cristo.
Disse Jesus: “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o
vosso Pai que está nos céus” (Mt 5:48). Se Jesus Cristo nos exorta a sermos perfeitos,
significa que devemos ser perfeitos. É praticamente impossível ser perfeito, vivendo
neste mundo corrompido. Todavia, é possível sermos perfeitos relativos e não
absolutos. Só Deus é absolutamente perfeito. Mas é certo que um dia aqueles que
creem no Filho de Deus serão perfeitos, pois “... todos nós, com rosto descoberto,
refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em
glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2Co 3:18). ALELUIA!
Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro
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