HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ - Parte 20

O “Gnosticismo Verdadeiro”

Por “verdadeiro gnóstico”, Clemente referia-se a uma pessoa de sabedoria que vive da mente e repudia a vida mais mundana de busca dos desejos e prazeres da carne. Essa pessoa seria uma espécie de Sócrates ou Platão, que resiste à tendência geral de “ir com a maré” da turba confusa que se deleita nas bebedeiras e na busca de ganho material. Ela quer dominar todos os tipos de sabedoria, ficar acima das paixões carnais e se tornar semelhante a Deus em virtude e sabedoria.

Clemente chegou a ponto de declarar que o verdadeiro gnóstico cristão pode “se tornar deus” nesta vida, despindo-se do “desejo” e tornando-se “impassível, livre da ira”. Mas deixou claro que não queria dizer que o verdadeiro gnóstico realmente se torna perfeito como Deus. Dizia que essa pessoa se reveste da imagem de Deus e se torna realmente boa, mas dependente de Deus. Ele tinha em mente a ideia da divinização: o alvo da salvação é compartilhar da natureza divina refletindo à imagem de Deus e alcançando a imortalidade.

Para Clemente, qualquer realização da perfeição era obra de Deus, levada a efeito pela pessoa humana que se entrega a Deus ao repudiar a vida mais mundana da carne e buscar a vida mais elevada da mente pela contemplação e pelo estudo. Clemente enxergava Jesus Cristo não apenas como um homem que emanava coisas boas e que teve a morte de um mártir como Sócrates, mas como a encarnação da sabedoria divina e, de certo modo, o próprio Deus.

Jesus Cristo era o Logos divino, o Espírito cósmico da Sabedoria e da verdade que emanou do Pai e assumiu a forma humana de Jesus Cristo. Ele era o complemento de todas as verdades parciais anteriores que apontavam para Ele e ensinava seu povo por diversos meios.

A influência da filosofia grega sabre o pensamento de Clemente manifestou-se de várias maneiras. Ele tratava o corpo e a matéria como uma “natureza inferior” e os contrastava nitidamente com a natureza “superior e melhor” da alma, que descrevia como a parte racional do indivíduo. Nesse ponto ele difere do gnosticismo, pois nega expressamente que a matéria ou o corpo são iníquos. São apenas inferiores ao espírito e à alma. Essa ideia da humanidade e da criação é, naturalmente, mais platônica do que bíblica. Embora possamos encontrar reflexos de semelhante dualismo nos ensinos bíblicos, a Bíblia não ensina que a alma ou espírito é a parte racional da pessoa ou que o corpo é a “natureza inferior”.

Repetidas vezes, Clemente reitera a opinião de que Deus não tem paixões e que é assim que o verdadeiro gnóstico deve ser. Imitar a Deus, pela “Instrução do Verbo” (Jesus Cristo) significa esforçar-se para atingir um estado perfeitamente livre das paixões por meio do autocontrole.  As paixões e os desejos são limitantes por natureza e Deus é livre por natureza de todas as limitações das criaturas.

O Deus de Clemente era semelhante ao deus da filosofia grega, uma unidade simples sem partes nem paixões, que não pode nem mesmo ser descrita a não ser por comparação e que só se relaciona com o mundo da natureza e da história por intermédio de um ser intermediário chamado Logos.

Clemente considerava as referências bíblicas concernentes à ira e vingança divinas como meras figuras de linguagem ou formas como os seres humanos percebem Deus. Clemente não respondeu expressamente ao comportamento de Jesus em relação aos cambistas que faziam mercado da “casa de meu Pai”. Mas podemos deduzir que diria que essas experiências e sentimentos faziam parte da humanidade do Filho de Deus e que não eram próprios de Sua divindade.

Toda narrativa bíblica que descreve Deus ou Jesus Cristo de modo impróprio ao ser divino, Clemente interpretava como uma alegoria ou linguagem antropomórfica ou relegava-a ao lado humano do Filho de Deus na Sua encarnação de Jesus Cristo.

Disse Jesus: “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5:48). Se Jesus Cristo nos exorta a sermos perfeitos, significa que devemos ser perfeitos. É praticamente impossível ser perfeito, vivendo neste mundo corrompido. Todavia, é possível sermos perfeitos relativos e não absolutos. Só Deus é absolutamente perfeito. Mas é certo que um dia aqueles que creem no Filho de Deus serão perfeitos, pois “... todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2Co 3:18). ALELUIA!

Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro

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