HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ – Parte 53



As Escolas de Antioquia e de Alexandria - Divergências

Antioquia e Alexandria eram centros antigos e veneráveis da cultura greco-romana, da teologia e da vida eclesiástica cristã. Alexandria queria dominar Constantinopla, porque ali o imperador se instalou. Isso porque o bispo de Constantinopla tinha influência especial sobre o restante da cristandade, devido à proximidade com a corte imperial. Antes de a controvérsia cristológica chegar a um embate entre os líderes cristãos de Alexandria e Antioquia, eles já se olhavam com desconfiança por razões políticas.

Antioquia estava longe de ter o tamanho ou a influência de Alexandria. Entretanto, também tinha uma tradição antiga e venerável, tanto cultural como teológica. Nos tempos de Cristo e dos apóstolos foi um grande centro de negócios e de comércio. Foi em Antioquia que os cristãos receberam essa denominação e a partir daí se deu início à missão de Paulo aos gentios. Para os cristãos do século I, Antioquia era muito mais importante do que Alexandria.

Já Constantinopla não tinha nenhuma tradição antiga importante e sua igreja cristã era relativamente nova e fraca antes de Constantino começar a trazer líderes cristãos para lá no século IV. Representava um campo missionário para outras igrejas. Pode ser grosseira a forma de expressar a situação, mas não há como ignorar o fato de que Antioquia e Alexandria olhavam com cobiça para Constantinopla, e procuravam fazer com que seus “filhos prediletos” subissem a altos cargos.

Os dois tipos de teologia diferiam significativamente. Uma das principais diferenças girava em torno da interpretação bíblica. O padrão alexandrino foi estabelecido na época de Cristo por Filo, o teólogo e estudioso bíblico judaico, que acreditava que as referências literais e históricas das Escrituras hebraicas tinham pouca importância. Procurou descobrir e explicar o significado alegórico ou espiritual das narrativas bíblicas.

Em outras palavras, muitos trechos da Bíblia hebraica pareciam tratar de uma coisa, mas, para Filo, tratavam de outra. Como tentava integrar a religião hebraica com a filosofia grega, Filo não podia interpretar conforme a letra boa parte do que lia nos Profetas. Acreditava que, mediante a interpretação alegórica, poderia demonstrar a união subjacente entre o pensamento ético e filosófico grego e a religião hebraica.

Muitos pensadores cristãos primitivos aproveitaram a hermenêutica de Filo, e foi em Alexandria onde isso mais aconteceu. Estudiosos, como Clemente e Orígenes, remexeram os diversos níveis de significado da Bíblia a fim de descobrir preciosidades de verdades espirituais ocultas nas narrativas históricas reais. Justificaram esse método apelando a Paulo, baseando-se em Gl 4.21-31, e aprofundaram-se nesse método de interpretação.

Por outro lado, Antioquia destacou-se por ter um método hermenêutico mais literal e histórico. Naturalmente, os estudiosos bíblicos de Antioquia também reconheciam na alegoria uma maneira legítima de comunicar a verdade, mas procuraram não buscar significados espirituais, alegando que as histórias bíblicas não eram alegorias, a não ser quando havia um bom motivo para sê-lo. Um exemplo notável desse método hermenêutico é o grande estudioso cristão Teodoro de Mopsuéstia, o principal comentarista bíblico de Antioquia.

Teodoro escreveu muitos comentários sobre as Escrituras e sempre evitou a interpretação alegórica, exceto quando havia evidências claras no texto. Mesmo Cântico dos Cânticos (Cantares de Salomão), frequentemente tratado como alegoria do amor de Cristo pela igreja também por protestantes conservadores modernos, foi considerado por Teodoro como verdadeira poesia de amor. Reconheceu que muitas personagens e eventos no Antigo Testamento podiam ser interpretados pelos cristãos como tipos de Cristo e da igreja, mas partiu do princípio que a Bíblia claramente descreve eventos históricos.

Como se pode ver, as teologias de Alexandria e de Antioquia divergiam na própria raiz: interpretação. O método antioqueno, histórico-literal-gramatical, é o mais influente no cristianismo moderno e ocidental, ao passo que o método alexandrino, alegórico-espiritual, dominou boa parte do pensamento cristão primitivo e continuou influenciando na Idade Média, tanto no Oriente como no Ocidente.

As linhas de raciocínio diferentes no tocante às Escrituras e ao seu significado armaram o palco para o conflito cristológico. Alexandria enfatizava a divindade de Jesus como uma joia espiritual oculta por trás do véu de sua humanidade. O docetismo, negação da verdadeira humanidade de Cristo, espreitava por trás da teologia alexandrina e era um perigo. As dimensões físicas, históricas e relativas à criatura das Escrituras e da encarnação escandalizavam muitos alexandrinos, por isso, eles procuravam minimizá-las, sem as demonizar da maneira que os gnósticos tinham feito.

Os antioquenos enfrentaram seus perigos. Ficaram tão cativados pelas realidades históricas e literais das Escrituras e da pessoa de Jesus Cristo, que não conseguiram tratar com o devido respeito a divindade de ambas. Lógico que confessaram a inspiração divina das Escrituras e a divindade de Cristo. Mas minimizaram os aspectos espirituais e divinos desses mistérios, sem os negar.

“Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia, o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre; a qual é mãe de todos nós” (Gl 4:22-26).

Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro

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