As Escolas de
Antioquia e de Alexandria - Divergências
Antioquia e Alexandria
eram centros antigos e veneráveis da cultura greco-romana, da teologia e da
vida eclesiástica cristã. Alexandria queria dominar Constantinopla, porque ali
o imperador se instalou. Isso porque o bispo de Constantinopla tinha influência
especial sobre o restante da cristandade, devido à proximidade com a corte
imperial. Antes de a controvérsia cristológica chegar a um embate entre os
líderes cristãos de Alexandria e Antioquia, eles já se olhavam com desconfiança
por razões políticas.
Antioquia estava
longe de ter o tamanho ou a influência de Alexandria. Entretanto, também tinha
uma tradição antiga e venerável, tanto cultural como teológica. Nos tempos de
Cristo e dos apóstolos foi um grande centro de negócios e de comércio. Foi em
Antioquia que os cristãos receberam essa denominação e a partir daí se deu
início à missão de Paulo aos gentios. Para os cristãos do século I, Antioquia
era muito mais importante do que Alexandria.
Já Constantinopla não
tinha nenhuma tradição antiga importante e sua igreja cristã era relativamente
nova e fraca antes de Constantino começar a trazer líderes cristãos para lá no
século IV. Representava um campo missionário para outras igrejas. Pode ser
grosseira a forma de expressar a situação, mas não há como ignorar o fato de
que Antioquia e Alexandria olhavam com cobiça para Constantinopla, e procuravam
fazer com que seus “filhos prediletos” subissem a altos cargos.
Os dois tipos de teologia
diferiam significativamente. Uma das principais diferenças girava em torno da
interpretação bíblica. O padrão alexandrino foi estabelecido na época de Cristo
por Filo, o teólogo e estudioso bíblico judaico, que acreditava que as
referências literais e históricas das Escrituras hebraicas tinham pouca
importância. Procurou descobrir e explicar o significado alegórico ou
espiritual das narrativas bíblicas.
Em outras palavras,
muitos trechos da Bíblia hebraica pareciam tratar de uma coisa, mas, para Filo,
tratavam de outra. Como tentava integrar a religião hebraica com a filosofia
grega, Filo não podia interpretar conforme a letra boa parte do que lia nos
Profetas. Acreditava que, mediante a interpretação alegórica, poderia
demonstrar a união subjacente entre o pensamento ético e filosófico grego e a
religião hebraica.
Muitos pensadores
cristãos primitivos aproveitaram a hermenêutica de Filo, e foi em Alexandria
onde isso mais aconteceu. Estudiosos, como Clemente e Orígenes, remexeram os
diversos níveis de significado da Bíblia a fim de descobrir preciosidades de
verdades espirituais ocultas nas narrativas históricas reais. Justificaram esse
método apelando a Paulo, baseando-se em Gl 4.21-31, e aprofundaram-se nesse método
de interpretação.
Por outro lado, Antioquia
destacou-se por ter um método hermenêutico mais literal e histórico.
Naturalmente, os estudiosos bíblicos de Antioquia também reconheciam na
alegoria uma maneira legítima de comunicar a verdade, mas procuraram não buscar
significados espirituais, alegando que as histórias bíblicas não eram
alegorias, a não ser quando havia um bom motivo para sê-lo. Um exemplo notável
desse método hermenêutico é o grande estudioso cristão Teodoro de Mopsuéstia, o
principal comentarista bíblico de Antioquia.
Teodoro escreveu
muitos comentários sobre as Escrituras e sempre evitou a interpretação
alegórica, exceto quando havia evidências claras no texto. Mesmo Cântico dos
Cânticos (Cantares de Salomão), frequentemente tratado como alegoria do amor de
Cristo pela igreja também por protestantes conservadores modernos, foi
considerado por Teodoro como verdadeira poesia de amor. Reconheceu que muitas personagens
e eventos no Antigo Testamento podiam ser interpretados pelos cristãos como
tipos de Cristo e da igreja, mas partiu do princípio que a Bíblia claramente
descreve eventos históricos.
Como se pode ver, as
teologias de Alexandria e de Antioquia divergiam na própria raiz: interpretação.
O método antioqueno, histórico-literal-gramatical, é o mais influente no
cristianismo moderno e ocidental, ao passo que o método alexandrino,
alegórico-espiritual, dominou boa parte do pensamento cristão primitivo e
continuou influenciando na Idade Média, tanto no Oriente como no Ocidente.
As linhas de
raciocínio diferentes no tocante às Escrituras e ao seu significado armaram o
palco para o conflito cristológico. Alexandria enfatizava a divindade de Jesus
como uma joia espiritual oculta por trás do véu de sua humanidade. O docetismo,
negação da verdadeira humanidade de Cristo, espreitava por trás da teologia
alexandrina e era um perigo. As dimensões físicas, históricas e relativas à
criatura das Escrituras e da encarnação escandalizavam muitos alexandrinos, por
isso, eles procuravam minimizá-las, sem as demonizar da maneira que os
gnósticos tinham feito.
Os antioquenos
enfrentaram seus perigos. Ficaram tão cativados pelas realidades históricas e
literais das Escrituras e da pessoa de Jesus Cristo, que não conseguiram tratar
com o devido respeito a divindade de ambas. Lógico que confessaram a inspiração divina das Escrituras e a divindade de
Cristo. Mas minimizaram os aspectos espirituais e divinos desses mistérios, sem
os negar.
“Porque está escrito
que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia, o que
era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. O
que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai,
gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da
Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus
filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre; a qual é mãe de todos nós” (Gl
4:22-26).
Que o Senhor nos
abençoe e nos guarde.
Monteiro
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