A Teologia
Soteriológica de Atanásio
Como uma obra teria se ligado ao
Criador por outra obra? Qual socorro teria vindo de um semelhante para outro,
quando tanto um quanto o outro precisava de socorro? Como teria o Verbo poder,
se fosse uma criatura, para desfazer a sentença de Deus e remir o pecado, em
contraste com o que está escrito nos Profetas, que essa é obra de Deus?
O âmago do raciocínio atanasiano é
que se o Filho de Deus não é “verdadeiramente Deus” no mesmo sentido que o Pai,
então é impossível a salvação. Para ele, toda a razão de ser da teologia era
proteger o evangelho e o evangelho diz respeito à salvação. Somente Deus pode
desfazer o pecado e fazer com que uma criatura compartilhe da natureza divina,
pois se, sendo criatura, o Verbo se tornou homem, o homem teria permanecido
exatamente o que era antes, não ligado a Deus.
No fundo desse pensamento estava a
ideia tradicional da salvação como deificação. Para Atanásio, como para Ireneu,
Orígenes e outros teólogos cristãos primitivos, o problema humano era a morte
por causa do pecado e a solução era a deificação por meio da união entre a
humanidade e a divindade na encarnação. “Pois ele foi feito homem a fim de que
nós fôssemos feitos Deus; e ele se manifestou por meio de um corpo, a fim de
que nós recebêssemos a ideia do Pai que não é visto; e ele suportou a
insolência dos homens a fim de que nós herdássemos a imortalidade”.
Atanásio explorou a ideia da
salvação como deificação (desenvolvida e explorada por Irineu a fim de
comprovar contra os gnósticos a necessidade da humanidade de Cristo) para comprovar
a divindade de Cristo em debate contra os arianos e semiarianos. Irineu,
Atanásio e muitos teólogos cristãos compartilham dessa ideia. A não ser que
Jesus Cristo fosse tanto “verdadeiramente Deus” como “verdadeiramente homem”, a
salvação simplesmente não poderia ocorrer.
Atanásio também usou as Escrituras
a fim de refutar as interpretações dos arianos e dos outros subordinacionistas
e de comprovar com textos tirados dos escritos dos próprios apóstolos que eles
consideravam que Jesus Cristo era tanto divino como humano. Mas Atanásio
também sabia que as Escrituras podiam significar muitas coisas, por isso, o argumento
final devia voltar até a realidade do próprio evangelho.
O evangelho diz respeito à
salvação mediante Jesus Cristo e, se Jesus Cristo não fosse tanto Deus como homem, não poderia nos unir a Deus. A salvação acabaria reduzida
a uma vida virtuosa (o moralismo cristão), a obter algum conhecimento secreto
(gnosticismo), ou meramente a receber o perdão dos pecados, mas seríamos deixados
na mesma condição caída e corrupta de antes.
“Ele teve pena de nossa raça,
compaixão de nossa enfermidade e condescendência com a nossa corrupção e,
incapaz de conceber que a morte tivesse supremacia – para que a criatura não
perecesse e a obra do Pai entre os homens não fosse em vão – tomou para si um
corpo, um corpo igual ao nosso [...]. E assim, assumindo dentre os corpos um de
mesma natureza, porque todos estávamos sob o julgo da corrupção da morte,
entregou-se à morte em favor de todos e ofereceu-se ao Pai, fazendo isso,
ademais, por suprema bondade, a fim de que, primeiramente, todos sendo
considerados mortos nele, a lei que determinava a ruína dos homens pudesse ser
desfeita [...] e a fim de que, em segundo lugar, embora os homens tivessem se
voltado para a corrupção, ele lhes resgatasse à incorruptibilidade e os
ressuscitasse da morte mediante a apropriação do seu corpo e a graça da
Ressurreição, banindo deles a morte, assim como a palha é arrancada do fogo”.
Como Jesus Cristo podia realizar a
obra da salvação se somente seu corpo era verdadeiramente humano e o Logos
divino permanecia imutável e até mesmo fora do corpo durante a vida e morte de
Jesus? Teólogos posteriores dão respostas a esse questionamento.
“Não se turbe o vosso coração;
credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se
não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for,
e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que
onde eu estiver estejais vós também” (Jo 14:1-3).
Que o Senhor nos abençoe e nos
guarde.
Monteiro
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