O Arianismo
O Arianismo sustentava que a nossa salvação estaria em jogo se a
opinião de Alexandre prevalecesse. Jesus Cristo não poderia ter sido realmente
humano, posto que a humanidade e a divindade são coisas diferentes por
natureza. Se assim fosse, Seu ato de salvação não seria uma vitória genuína da
qual podíamos participar. O Arianismo sustenta ainda que salvação significava
seguir espontaneamente o exemplo de Cristo de submissão a Deus. Se Cristo não
optou, de modo humano, por seguir a vontade de Deus, seu exemplo não tem
utilidade.
A diferença entre as crenças de Ário e de Alexandre a respeito da
natureza de Jesus Cristo e do Logos que nEle encarnou, relaciona-se com a
doutrina da salvação. Alexandre adotava o conceito ortodoxo da salvação que existia
desde Irineu, e Ário, um conceito que enfatizava a conformidade voluntária com
os padrões morais de Deus.
Os bispos reunidos no sínodo em Alexandria em 318 condenaram Ário
e seus ensinos como heréticos e o depuseram do presbitério. Ário, porém, não
considerou o assunto por encerrado e encontrou amparo em seu antigo amigo
Eusébio de Nicomédia, que a essa altura já era um bispo importante. Ário e
Eusébio começaram, em Nicomédia, uma campanha de escrever cartas aos bispos que
não compareceram ao sínodo de Alexandria.
Uma das declarações típicas de Ário a respeito do relacionamento
entre o Filho e o Pai é: “Cristo não é o verbo de Deus, mas por participação
[...] o filho não conhece o Pai com exatidão e o Logos não vê o Pai com perfeição,
e ele não percebe o Pai com exatidão e nem o Logos o compreende; isso porque
ele não é o verdadeiro e único Logos do Pai, mas somente em nome ele é chamado
Logos e Sabedoria, e pela graça é chamado filho e poder”.
Ário também explorava a palavra apostólica “gennetos” (gerado),
usada para descrever Jesus Cristo como Filho de Deus. Se, portanto, o Filho de
Deus que veio a ser Jesus Cristo foi gerado, deve ter tido um início no tempo
e, uma vez que é da essência de Deus ser eterno o Filho de Deus deve, portanto,
ser uma criatura grandiosa, mas não o próprio Deus. Foi essa distinção que Ário
enfatizou na sua profissão de fé escrita em 320 no exílio, sob a proteção e
patrocínio de Eusébio.
A carta foi assinada por dois bispos, seis sacerdotes e seis
diáconos e enviada a Alexandre, bem como a vários outros oponentes destacados
de Ário. Nela, Ário escreveu:
“Reconhecemos um só Deus, sendo somente ele não gerado, somente
ele eterno, somente ele sem princípio, somente ele verdadeiro, somente ele imortal,
somente ele sábio, somente ele bom, somente ele cheio de poder; é ele quem
julga todos, quem controla todas as coisas, quem provê todas as coisas; e ele
não está sujeito a nenhuma mudança ou alteração; ele é justo e bom; ele é o
Deus da Lei e dos Profetas e da Nova Aliança. Esse único Deus, antes de todo o
tempo, gerou seu Filho unigênito, por meio de quem fez as eras e o universo.
Ele gerou não apenas na aparência, mas de fato; por vontade própria fez
subsistir seu Filho e o fez imutável. Sendo a criatura perfeita de Deus, ele é
diferente de qualquer outra criatura; gerado, sim, mas incomparável no modo de
ser gerado. [...] mas dizemos que foi criado pela vontade de Deus, antes de
todas as eras; do Pai recebeu existência e vida e, ao criá-lo, o Pai conferiu-lhe
a própria glória. O Pai, porém, ao entregar todas as coisas em seu poder, não
se despojou delas: o Pai contém todas as coisas em si mesmo de modo não gerado,
pois ele é a fonte de todas as coisas. Existem, portanto, três substâncias
(hipóstases)”.
Por isso, Ário e seus colegas arianos afirmaram um tipo de
Trindade composta de três seres “divinos” (o Pai, o Filho e o Espírito Santo),
sendo que somente um deles é verdadeiramente Deus. Deus, pela própria natureza,
é isento das características da criatura e, se o Logos se humanizou em Jesus
Cristo, ele é necessariamente uma criatura. A salvação é um processo de união
com Deus mediante a graça e o livre arbítrio e, se Jesus nos comunica a
salvação, isso é necessariamente algo que ele realizou mediante a graça o livre
arbítrio, de modo que pudéssemos seguir seu exemplo. Se Jesus fosse Deus, a
salvação não seria algo que ele poderia levar a cabo. Ário e seus seguidores
separavam cada vez mais a relação entre Deus Pai e Jesus Cristo, de modo que,
pra muitos dos seus oponentes, pareceu que negavam qualquer sentido real da
divindade de Cristo e rejeitavam totalmente a Trindade.
Lógico que Alexandre dará uma resposta muito mais contundente. Todavia,
contra essa ideia falha, é possível argumentar que Ário não considerava que o Filho
foi gerado na eternidade, pois Deus não está sujeito ao tempo, Ele vive na
eternidade. O tempo só surgiu com a criação do mundo. Na verdade, o tempo foi
feito para o homem. “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por
causa do sábado (Mc 2:27)”. Ário não considera ainda que o primeiro Adão também
foi feito perfeito e tinha comunhão perfeita com o Pai, nem por isso deixou de
pecar. Mas, o segundo Adão, “um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem
pecado (Hb 4:15b)”.
Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro
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