HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ - Parte 31


Ário de Alexandria

Algo espantoso aconteceu em Alexandria em 318. Tudo começou com uma discussão entre o bispo Alexandre e um presbítero popular e ambicioso chamado Ário.

Os bispos de Alexandria eram usualmente eleitos pelos presbíteros da cidade e uma maneira de se tornar bispo era promover-se entre eles como um defensor da verdade e da retidão. É provável que os motivos de Ário ter desafiado o bispo relacionem-se ao desejo de suceder-lhe como bispo após sua morte, ou mesmo antes.

Ário liderou uma pequena rebelião de cristãos contra o bispo depois de ouvi-lo pregar um sermão que considerava muito próximo à heresia do sabelianismo. Ário pensava ter detectado na teologia de Alexandre um pequeno vestígio da antiga heresia modalista de Práxeas e Sabélio, que reduzia as Pessoas da Trindade a meros nomes ou aspectos de uma única pessoa divina.

Ário começou a pregar sermões, dar preleções e escrever cartas criticando a teologia e a liderança de Alexandre. Esse conflito transformou-se numa guerra campal, pois os cristãos saíram às ruas em protesto.

Enquanto Ário era aluno de teologia em Antioquia, tornou-se amigo íntimo de outro aluno: Eusébio de Nicomédia (este se tornou um bispo importante e influente). Os dois continuaram amigos e colegas durante a vida inteira e pensavam da mesma maneira a respeito da pessoa de Jesus Cristo, da salvação e da natureza de Deus. É quase certo que suas crenças e formulações teológicas derivem do mentor que tinham em comum, Luciano.

Como Luciano, Ário e Eusébio odiavam e temiam a heresia do sabelianismo (modalismo) mais do que a heresia do adocionismo, que talvez não parecesse tão perigosa quanto à ideia implícita no sabelianismo de que Deus Pai foi literalmente crucificado e morreu na cruz porque Jesus Cristo (segundo o modalismo) realmente era o Pai encarnado.

É pouco provável que qualquer antioqueno, inclusive Luciano e seus alunos, acreditasse, mesmo que secretamente, na heresia adocionista, mas certamente muitos deles devem ter chegado a pensar em Jesus Cristo como a encarnação, não de Deus, mas de uma grandiosa criatura de Deus, o Logos, que tinha um começo no tempo e permanecia para sempre subordinado ao Pai, não somente quanto à função, mas também quanto ao próprio ser.

Por trás do conflito entre Ário e Alexandre a respeito do Logos estava a filosofia grega. Era algo que ambos tinham em comum, embora a interpretassem e aplicassem de modo diferente. Ambos acreditavam que a deidade é ontologicamente perfeita de tal modo que seria impossível para ela sofrer qualquer mudança e, assim, impróprio atribuir-lhe tal coisa. Por isso, Deus, sendo divino e, portanto, absolutamente perfeito, não poderia experimentar uma mudança, pois mudar implica sempre numa alteração para o melhor ou o pior e, em qualquer dessas hipóteses, Deus não seria Deus.

A perfeição absoluta e estática é a natureza de Deus. Há nas Escrituras várias passagens que negam a mutabilidade e variabilidade de Deus. Assim, a imutabilidade e a impassibilidade tornaram-se os principais atributos de Deus. Por isso, Ário e seus seguidores exploraram o argumento de que, Jesus Cristo é a encarnação do Logos e se o Logos é divino no mesmo sentido que Deus Pai é divino, a natureza de Deus seria alterada pela vida humana de Jesus no tempo e Deus teria sofrido através dele. Mas isso é impossível. Portanto, o Logos que encarnou em Jesus Cristo não era totalmente divino, mas uma criatura grandiosa e glorificada.

Não foi fácil responder a esse argumento. Mas os oponentes de Ário sustentaram com tenacidade a crença cristã tradicional de que o Logos é divino e compartilha da própria natureza de Deus por toda a eternidade, mas não souberam explicar exatamente a encarnação do Logos na humanidade. Mas Ário exigiu que a igreja o fizesse dentro dos limites da compreensão humana.

Talvez o conflito de Ário e Alexandre fosse inevitável, devido Ário ter sido treinado em Antioquia antes de chegar na cidade egípcia. Um dos seus deveres, após ter sido ordenado em 311, foi dirigir a escola exegética, que era uma escola de interpretação bíblica para sacerdotes e leigos cristãos que quisessem ensinar.

Ário era uma pessoa carismática e atraiu tantos seguidores devotos que, quando desafiou abertamente o bispo Alexandre a respeito da sua teologia sobre Cristo e a Trindade, muitos tomaram seu partido. Acusou Alexandre de negar a verdadeira humanidade de Jesus Cristo e de promover a heresia sabeliana. Levando a questão mais adiante, começou a ensinar aos cristãos alexandrinos que o Logos era uma criatura e não um ser igual ao Pai. Disse que a diferença entre o Filho e o Pai estava no fato deste ser eterno e imutável e aquele ter sido criado antes do mundo e era passível de mudança e de sofrimento. Apelou às passagens bíblicas nos Profetas e Apóstolos que dizem que o Verbo de Deus (Logos) está sujeito a Deus e que Jesus Cristo é submisso ao Pai.

Aparentemente Ário está correto em seu modo de pensar. Mais adiante veremos as respostas às suas intrigantes questões. Para o momento, deixamos aqui para reflexão, as palavras do Senhor Jesus: “Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras”. (Jo 14:9-10).

Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro

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