HISTÓRIA DA TEOLOGIA CRISTÃ - Parte 23



Orígenes Trata da Fé e da Razão

Orígenes era um intelectual que, quando se tratava da teologia, enfatizava os papéis da revelação divina e da fé. Mas era profundamente envolvido em especulações que, por vezes, o levavam a conclusões abertamente antibíblicas. Apelou para a ideia grega da preexistência da alma. Somente a alma de Jesus sobreviveu com inocência a um período preexistente de provação e por isso o Jesus humano na Terra era impecável. Não porque era divino, mas porque não pecou na sua preexistência.

Segundo Orígenes, a provação pré-mortal e espiritual explica por que os seres humanos vêm ao mundo em condições desiguais – o “carma” de algumas religiões orientais.

A mesma tendência para especulação aparece na grande esperança de Orígenes (Reconciliação Final), onde tenta explorar e explicar o que Paulo quis dizer quando escreveu 1 Co 15:28, que no fim Deus será “tudo em todos”. Embora não chegasse ao panteísmo escatológico (a criação unificada ao próprio Deus), Orígenes confirmou a união de Deus com toda a criação na consumação de Seu plano. Não está totalmente claro se Satanás estará incluído nessa consumação final.

Parece que Orígenes acreditava que, para que Deus fosse Deus, Ele precisava reconciliar tudo em Si. Não poderia haver um dualismo ulterior da realidade – o bem e o mal. Escreveu: “Deus será ‘tudo’, porque não haverá mais distinção entre o bem e o mal, posto que o mal não existe em nenhum lugar; pois Deus é todas as coisas e dele o mal não se aproxima. [...]. Quando a morte já não existir em nenhum lugar, nem o aguilhão da morte, nem qualquer mal, então verdadeiramente Deus será ‘o todo’”.

Sem imitar cegamente Filo e Platão, Orígenes recriou fielmente as abordagens hermenêuticas deles e deu pouco valor ao significado literal histórico do Antigo Testamento embora tenha encontrado ali riquezas de verdades evangélicas ocultas em símbolos e alegorias.

Assim com Filo, Orígenes identificou três níveis de significados nas Escrituras e três maneiras de compreendê-las e de interpretá-las. Os três níveis correspondem aos três aspectos da pessoa humana: do corpo (físico), da alma (racional e ético) e do espírito (relacionado à salvação no sentido mais sublime). O significado corpóreo de um texto é sua referência literal. O significado da alma é sua revelação moral. O nível mais importante (espírito/místico) quase sempre se refere, de modo enigmático, a Cristo e ao relacionamento do cristão com Deus.

Um dos propósitos de Orígenes na interpretação alegórica era aliviar a pressão insuportável imposta aos cristãos por céticos como o pagão Celso, que ridicularizou muitas histórias do Antigo Testamento por considerá-las absurdas e impróprias de Deus. As qualidades e a ira de Deus retratada de maneira semelhante a dos seres humanos foram fortemente criticadas e ironizadas.

Em Contra Celso escreveu: “Falando de fato da ‘ira’ de Deus. Não asseveramos, porém, que isso indica alguma ‘paixão’ da parte dele, mas que é alguma coisa adotada a fim de disciplinar por meios severos os pecadores que cometeram inúmeros pecados graves”.

Orígenes nunca se cansou de asseverar em termos bem claros, a divindade absoluta do Logos que se tornou Jesus Cristo como eterna e igual a do Deus Pai. Por outro lado, ele repetidamente também caiu na armadilha do subordinacionismo, a tendência de reduzir o Logos a algo inferior ao Pai. O Espírito Santo foi negligenciado, e quase que totalmente desconsiderado nas cogitações trinitárias de Orígenes.

Para Orígenes, o Logos era a chave para tornar inteligível a crença cristã em Deus e, ao mesmo tempo, a crença na encarnação de Deus na forma humana de Jesus Cristo. O Logos é o “espelho imaculado” (a imagem perfeita) de Deus e seu “rebento” (como um raio do sol), que sempre esteve com o Pai e no Pai como seu Verbo (expressão). O Logos é eternamente gerado ou criado pelo Pai e não existe absolutamente nenhuma dessemelhança entre o Pai e o Verbo. O Logos divino assumiu a existência humana, mas não foi imaculado pela imperfeição da criatura.

Apesar das contradições, das especulações e das ideias antibíblicas apresentadas por Orígenes, estas reflexões finais concordam com o evangelho segundo João (1:1-3): “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez”. Também é fato que Orígenes se baseou em Hb 7:26-27, bem como outras passagens: “Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus; que não necessitasse, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mesmo”.

Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro

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