Orígenes Trata da Fé e da Razão
Orígenes era um intelectual que, quando se tratava da
teologia, enfatizava os papéis da revelação divina e da fé. Mas era
profundamente envolvido em especulações que, por vezes, o levavam a conclusões
abertamente antibíblicas. Apelou para a ideia grega da preexistência da alma.
Somente a alma de Jesus sobreviveu com inocência a um período preexistente de
provação e por isso o Jesus humano na Terra era impecável. Não porque era
divino, mas porque não pecou na sua preexistência.
Segundo Orígenes, a provação pré-mortal e espiritual explica
por que os seres humanos vêm ao mundo em condições desiguais – o “carma” de
algumas religiões orientais.
A mesma tendência para especulação aparece na grande
esperança de Orígenes (Reconciliação Final), onde tenta explorar e explicar o
que Paulo quis dizer quando escreveu 1 Co 15:28, que no fim Deus será “tudo em
todos”. Embora não chegasse ao panteísmo escatológico (a criação unificada ao
próprio Deus), Orígenes confirmou a união de Deus com toda a criação na
consumação de Seu plano. Não está totalmente claro se Satanás estará incluído
nessa consumação final.
Parece que Orígenes acreditava que, para que Deus fosse Deus,
Ele precisava reconciliar tudo em Si. Não poderia haver um dualismo ulterior da
realidade – o bem e o mal. Escreveu: “Deus será ‘tudo’, porque não haverá mais
distinção entre o bem e o mal, posto que o mal não existe em nenhum lugar; pois
Deus é todas as coisas e dele o mal não se aproxima. [...]. Quando a morte já
não existir em nenhum lugar, nem o aguilhão da morte, nem qualquer mal, então
verdadeiramente Deus será ‘o todo’”.
Sem imitar cegamente Filo e Platão, Orígenes recriou
fielmente as abordagens hermenêuticas deles e deu pouco valor ao significado
literal histórico do Antigo Testamento embora tenha encontrado ali riquezas de
verdades evangélicas ocultas em símbolos e alegorias.
Assim com Filo, Orígenes identificou três níveis de
significados nas Escrituras e três maneiras de compreendê-las e de
interpretá-las. Os três níveis correspondem aos três aspectos da pessoa humana:
do corpo (físico), da alma (racional e ético) e do espírito (relacionado à
salvação no sentido mais sublime). O significado corpóreo de um texto é sua
referência literal. O significado da alma é sua revelação moral. O nível mais
importante (espírito/místico) quase sempre se refere, de modo enigmático, a Cristo
e ao relacionamento do cristão com Deus.
Um dos propósitos de Orígenes na interpretação alegórica era
aliviar a pressão insuportável imposta aos cristãos por céticos como o pagão
Celso, que ridicularizou muitas histórias do Antigo Testamento por considerá-las
absurdas e impróprias de Deus. As qualidades e a ira de Deus retratada de
maneira semelhante a dos seres humanos foram fortemente criticadas e
ironizadas.
Em Contra Celso escreveu: “Falando de fato da ‘ira’ de Deus.
Não asseveramos, porém, que isso indica alguma ‘paixão’ da parte dele, mas que
é alguma coisa adotada a fim de disciplinar por meios severos os pecadores que
cometeram inúmeros pecados graves”.
Orígenes nunca se cansou de asseverar em termos bem claros, a
divindade absoluta do Logos que se tornou Jesus Cristo como eterna e igual a do
Deus Pai. Por outro lado, ele repetidamente também caiu na armadilha do
subordinacionismo, a tendência de reduzir o Logos a algo inferior ao Pai. O
Espírito Santo foi negligenciado, e quase que totalmente desconsiderado nas
cogitações trinitárias de Orígenes.
Para Orígenes, o Logos era a chave para tornar inteligível a
crença cristã em Deus e, ao mesmo tempo, a crença na encarnação de Deus na
forma humana de Jesus Cristo. O Logos é o “espelho imaculado” (a imagem
perfeita) de Deus e seu “rebento” (como um raio do sol), que sempre esteve com
o Pai e no Pai como seu Verbo (expressão). O Logos é eternamente gerado ou
criado pelo Pai e não existe absolutamente nenhuma dessemelhança entre o Pai e
o Verbo. O Logos divino assumiu a existência humana, mas não foi imaculado pela
imperfeição da criatura.
Apesar das contradições, das especulações e das ideias
antibíblicas apresentadas por Orígenes, estas reflexões finais concordam com o
evangelho segundo João (1:1-3): “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas
foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez”. Também é fato
que Orígenes se baseou em Hb 7:26-27, bem como outras passagens: “Porque nos
convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos
pecadores, e feito mais sublime do que os céus; que não necessitasse, como os
sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus
próprios pecados, e depois pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez,
oferecendo-se a si mesmo”.
Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.
Monteiro
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